ENTRE A SOBERANIA DIVINA E A RESPONSABILIDADE CRISTÃ
Desde o final
de 2014 temos presenciado em nosso país uma tensão política, na qual muitos
cristãos estão engajados. De fato, razões não faltam, principalmente porque nos
últimos anos o país sofreu literalmente um assalto por meio de um partido e de
um “projeto criminoso de poder engendrado, concebido e implementado a partir
das mais altas instâncias governamentais” (11/10/2012), segundo o decano do
Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello. Isso não significa dizer que
o partido da presidente da república começou essa ação agora; na verdade, antes
disso já havia roubo, corrupção e outras ações perniciosas que sempre
destruíram o Estado brasileiro. O problema é que agora a situação passou dos
limites.
Diante desse
quadro tenebroso temos muitos cristãos que se posicionam de maneiras diversas,
às vezes acirrando os ânimos entre os irmãos principalmente se as linhas
ideológicas e políticas são diferentes. Diante desses aspectos e da atual conjuntura
de nossa nação, temos algumas questões: Como devemos nos portar diante de tudo
isso? É lícito criticar o governo e se por contra ele? Até onde caminha a
soberana vontade de Deus e a responsabilidade cristã?
O Dr. Wayne
Grudem no seu livro “Política segundo a Bíblia” (2014) fala a respeito de cinco
visões equivocadas a respeito de cristianismo e governo: 1) O governo deve
impor a religião; 2) O governo deve excluir a religião; 3) Todos os governos
são perversos e demoníacos; 4) A igreja deve se dedicar ao evangelismo, não à
política; e 5) A igreja deve se dedicar à política, não ao evangelismo. Ele
declara em seu livro: “[...] os cristãos devem procurar influenciar o governo
civil conforme os padrões morais de Deus e conforme os propósitos de Deus para
o governo revelados na Bíblia (e devidamente compreendidos)” (GRUDEM, 2014, p.
77).
Nessa questão
não podemos impor, nem silenciar, nem se retirar do processo, muito menos
pensar que um governo, ideologia ou partido pode salvar uma nação. Precisamos
nos comportar como cidadãos do Reino que ainda vivem num sistema caído e que
aguardamos com expectativa a chegada do Reino de Deus. Nesse aspecto, devemos
sempre lutar contra todas as injustiças, sem perder de vista o controle
soberano de Deus. Devemos ser os melhores cidadãos da terra, mas com um único
objetivo: revelar a glória de Deus através de nossas ações: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai, que está
no céu” (Mateus 5:16).
Muitos
irmãos, diante de passagens como Romanos 13:1-7 e 1Pedro 2:13,14, acham errado
nos colocarmos contra algum governo. A falta de compreensão dessas passagens
faz com que muitos se escondam de uma posição política ou de uma atitude para
com algum governo. Se Deus inspirou os apóstolos a escreverem sobre esse
assunto, certamente tem como objetivo formar nos cristãos cidadãos responsáveis,
mas nunca cidadãos que se curvam a qualquer coisa que esse ou aquele governo
faça.
Em Romanos
13:1-7 Paulo mostra claramente que as autoridades exercem poder governamental
por ordem de Deus (13:1,2; cf. João 19:11). Os governantes civis “[...] não são motivo de temor para os que fazem o
bem, mas sim para os que fazem o mal [...]” (13:3), o que mostra uma das
funções do Estado, que é frear o mal com o uso do castigo (cf. Gênesis 9:5,6).
Segundo Paulo, as autoridades dão seu “louvor” ou aprovação (Gr. e;painon;
epainon) aqueles que fazem o bem
(13:3), sendo “[...] serva de Deus para o teu bem” (13:4). Ou seja, o
papel do governo e dos seus funcionários é promover o bem geral da sociedade,
promovendo e recompensando a boa conduta. No entanto, isso não significa que
devemos considerar bom tudo o que os governantes fazem. João Batista repreendeu
Herodes pelas maldades que ele tinha praticado (cf. Lucas 3:19), assim como
Daniel repreendeu Nabucodonosor, chamando-o ao arrependimento (cf. Daniel
4:27). A punição de que fala Paulo é para os malfeitores e não para quem
pratica o que é correto.
O apóstolo
Pedro considera o papel do governo de modo semelhante: “Sujeitai-vos a toda
autoridade humana por causa do Senhor, seja ao rei, como soberano, seja aos
governadores, como por ele enviados para punir os praticantes do mal e honrar
os que fazem o bem” (1Pedro 2:13,14). Aqui é muito interessante notar que
Pedro fala da sujeição às autoridades humanas, mas não necessariamente ele diz
que ela foi instituída por Deus. O papel do cristão é sujeitar-se “por causa do Senhor”. Como cristãos
devemos ser os melhores cidadãos de qualquer país, sem no entanto perder o
senso crítico do que ocorre, lutando sempre pelo bem e por tudo aquilo que há
de melhor no Evangelho.
Embora a
Bíblia nos diga que devemos ser sujeitos às autoridades, isso não implica uma
obediência cega e inconsequente, principalmente quando essa obediência implique
em desobedecer à ordem do próprio Deus. Por exemplo, após a ressurreição, Jesus
ordenou aos discípulos que fossem pelo mundo pregando o Evangelho (cf. Mateus
28:19,20). O Sinédrio, que era a autoridade governamental da Judeia prendeu
alguns discípulos, ordenando que eles não pregassem o Evangelho (cf. Atos
4:18). No entanto, Pedro e João foram explícitos em sua desobediência civil: “pois
não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (Atos 4:20).
Noutra ocasião Pedro afirmou: “[...] É mais importante obedecer a Deus que
aos homens” (Atos 5:29). Os amigos de Daniel se recusaram adorar a imagem
de Nabucodonosor (cf. Daniel 3:13-27), assim como as parteiras hebreias
desobedeceram as ordens de faraó para matar os meninos que nascessem (cf. Êxodo
1:17,21). Portanto, a desobediência é sim possível, principalmente quando as
ordens governamentais atingem frontalmente uma ordem de Deus.
Quero
concluir que para os servos de Deus a vontade soberana de Deus é incontestável.
Deus não está escrevendo a história, mas ela está caminhando segundo aquilo que
Ele mesmo já determinou: “Sou eu que anuncio o fim desde o princípio, e
desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; sou eu que digo: O meu
conselho subsistirá, e realizarei toda a minha vontade” (Isaías 46:10; cf.
Isaías 13-23; Jeremias 46-51; Ezequiel 25-32; Amós 1 e 2; Obadias). Deus é
soberano no sentido de que Ele planejou, guia e sustenta a história das nações
segundo o Seu querer e propósito visando Sua própria glória.
Ou seja, o
cristão deve ser um cidadão responsável, mas não deve perder de vista a ação de
Deus. Ele pode protestar e lutar por um país melhor “por causa do Senhor” e não por causa de uma ideologia humana, lutar
a partir de princípios elevados escritos nas Sagradas Escrituras e não por uma
filosofia ou um partido político. Aguardamos a chegada do Rei, mas isso não
implica em imobilismo político e isolamento de pensamento. Todas as vezes que
os cristãos se levantaram da maneira correta, essa ação trouxe melhoria às
pessoas e a glória de Deus. Grandes mudanças começam com pequenas atitudes;
testemunhar de Cristo não implica apenas falar do que Ele fez por nós para a
eternidade, mas o que Ele já muda agora. Para o cristão a vida eterna se
iniciou no dia de sua conversão e a partir dali seu exemplo tem que brilhar
como luz nas trevas.
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