sexta-feira, 24 de julho de 2015

O CRISTIANISMO NA FRANÇA

O CRISTIANISMO NA FRANÇA

O cristianismo penetrou na antiga província romana da Gália já no segundo século, quando surgiram pequenas comunidades cristãs no sul, principalmente em Lyon. No ano 177 d.C. essa igreja sofreu com a perseguição do imperador Marco Aurélio (121-180 d.C.). Dentre os maiores líderes e teólogos da igreja antiga destaca-se Irineu (Εἰρηναῖος), o ilustre bispo de Lyon, que morreu no ano 202 d.C. Como a história é extensa, vamos dar apenas uma noção cronológica dos fatos mais importantes.
·         Natal de 496 d.C.: O rei dos francos, Clóvis, foi batizado juntamente com três mil dos seus guerreiros e assim os ancestrais dos atuais franceses foram a primeira nação germânica a abraçar o cristianismo ortodoxo, trinitário, quando outros povos bárbaros já haviam aderido a uma concepção herética da fé cristã, o arianismo antitrinitário, negador da divindade de Cristo.
·         732 d.C. Carlos Martel (686-741 d.C.) derrota os exércitos muçulmanos procedentes da Península Ibérica na célebre e decisiva batalha de Tours, na França central. Ele inaugura uma nova dinastia, os Carolíngios, que durante o reinado do seu filho Pepino, o Breve (714-768 d.C.), solidificou-se uma simbiose entre a igreja e o poder secular que traria certas vantagens, mas também grandes malefícios para o cristianismo francês.
·         752 d.C. Pepino cedeu à Igreja os territórios da Itália central que vieram a constituir os Estados Pontifícios, que perduraram até o século XIX.
·             Natal de 800. Carlos Magno (742-814 d.C.), filho de Pepino, foi coroado imperador pelo papa Leão III em Roma. Ele foi o maior monarca do período inicial da Idade Média, promovendo a cultura (“renascimento carolíngio”), protegendo a igreja e ajudando os papas. Assim, os monarcas franceses sentiram-se no direito de exercer um controle crescente sobre a igreja, seus líderes e suas instituições. Isso gerou por séculos  uma constante luta pela supremacia entre os dois poderes, o estado francês e a cúria romana.
·       Século IX. Anskar de Hamburgo, monge franco, ficou conhecido como o apóstolo do norte, por ter sido o pioneiro cristão entre os vikings da Escandinávia.
·          Século X. O Mosteiro de Cluny que deu origem a um movimento reformador que muito beneficiou a igreja, purificando a sua liderança e reivindicando maior autonomia em relação ao poder temporal. Destaca-se aqui o monge Hildebrando, que se tornaria depois o papa Gregório VII.
·    Século XI. Surge na França a seita dos cátaros ou albigenses, que praticava um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, chegando a um extremo asceticismo. Condenados pelo 4º Concílio de Latrão (1215; Inocêncio III), os cátaros foram aniquilados por uma cruzada e pelas ações da Inquisição, oficializada em 1233.
·         Século XII. Os valdenses, surgidos em Lyon, foram condenados pelo Concílio de Verona em 1184, e perseguidos por vários séculos. Mais tarde abraçaram a Reforma Protestante.
·       Século XIII. Filipe IV, o Belo (1285-1314) fortaleceu a monarquia e preparou a França para tornar-se o primeiro estado nacional moderno. Ele entrou em confronto direto com o papa Bonifácio VIII (1294-1303), rejeitando qualquer intromissão de Roma nos assuntos internos da França, especialmente nas áreas econômica e judicial.
·      Século XIV. Ocorreu um acentuado declínio e descrédito para a igreja quando o papa francês Clemente V (1305-14) transferiu a Cúria para Avignon, no sul da França, dando início ao chamado “cativeiro babilônico da igreja” (1309-1377). A situação agravou-se ainda mais durante o Grande Cisma, em que por 40 anos houve papas rivais, um em Roma e outro em Avignon (1378-1417), ouvindo-se em toda a Europa um clamor por “reformas na cabeça e nos membros”.
·        Século XVI. A França era a maior potência da Europa, sendo governada por monarcas absolutistas. No início do seu reinado, Francisco I (1515-1547) firmou com o papa Leão X a Concordata de Bolonha (1516), que aumentou sensivelmente o poder da coroa sobre a igreja, concedendo ao monarca o direito de indicar os bispos e outras autoridades eclesiásticas. Foi nesse contexto que começaram a surgir na França às ideias revolucionárias pregadas pelo monge alemão Martinho Lutero, que propunha uma radical reforma teológica e institucional da Igreja com base nos princípios da centralidade das Escrituras, da justificação do pecador pela graça de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo, e do sacerdócio universal de todos os fiéis.
Até 1520 Francisco I mostrou-se tolerante para com os protestantes franceses. No entanto, a tolerância transformou-se em hostilidade quando as circunstâncias políticas o levaram a precisar do apoio da hierarquia francesa e do papa, que agora, em troca desse apoio, exigiam a supressão dos protestantes. Como parte da aproximação com Roma, o rei promoveu o casamento do seu filho Henrique com Catarina de Médici, uma sobrinha do papa Clemente VII. A situação complicou-se ainda mais quando elementos protestantes radicais apelaram para a violência e iconoclasmo (destruição das imagens).
A partir de 1533, a perseguição de Francisco I contra os protestantes alternou-se entre prisões, torturas e execuções, e, ocasionalmente, a moderação exigida pelas alianças com os príncipes luteranos alemães na luta contra o imperador Carlos V. Muitos protestantes foram protegidos da severidade do rei pela sua própria irmã, Marguerite d’Angoulême, esposa do rei Henrique de Navarra, outra simpatizante das novas ideias.
O movimento de reforma na França precisou de auxílio externo, e esse veio da igreja reformada de Genebra, sob a firme liderança do mais ilustre dos protestantes franceses, o pastor e teólogo João Calvino (1509-1564). Calvino tornou-se conhecido em 1536, quando publicou a primeira edição da sua importante obra, As Institutas da Religião Cristã. O prefácio é uma longa carta a Francisco I, apelando em favor dos perseguidos. Com isso, repentinamente Calvino viu-se transformado no grande líder, ideólogo e apologista do protestantismo francês.
A partir de Genebra muitos pastores foram treinados e enviados à França. A igreja protestante sofreu muitos martírios, com crentes sendo torturados de forma horrível e alguns tendo suas línguas cortadas para não anunciarem sua fé. O episódio mais infame desse período foi a Noite de São Bartolomeu (24/08/1572) que eliminou cerca de 20 mil huguenotes (protestantes). Em 1598 foi proclamado o Edito de Nantes que concedia aos huguenotes liberdade de culto, sendo eles 15% da população nessa época. No entanto, em 1685 Luís XIV revogou esse Édito e provocou um êxodo de 300 mil huguenotes para a Europa e Estados Unidos. A igreja protestante francesa ficou conhecida como “A igreja no deserto”.
O protestantismo francês foi importante na luta pela liberdade de culto e de consciência. Muitos protestantes apoiaram a Revolução Francesa e se comprometeram que a religião jamais interferisse na vida civil com violência. Hoje a França clama por salvação, pois o laicismo retirou a fé do coração francês. Durante essa semana ore pela França e pelas igrejas que ainda sobrevivem numa cultura secularizada e sem Deus.

Uma boa semana! Fraternalmente em Cristo, Pr. Gilson Jr.

sábado, 11 de julho de 2015

O CRISTIANISMO NA ESPANHA

O CRISTIANISMO NA ESPANHA

No século I o apóstolo Paulo expressou seu desejo de ir à Espanha: “Mas, agora, não tendo mais o que me detenha nessas regiões, e tendo já há muitos anos grande desejo de visitar-vos, eu o farei quando for à Espanha; pois espero ver-vos de passagem e ser encaminhado por vós para lá, depois de experimentar um pouco da vossa companhia [...] Tendo concluído isso, e certificando-me de que receberam esse fruto, partirei para a Espanha, passando para visitá-los” (Romanos 15:23,24,28). Não sabemos ao certo se Paulo concretizou esse desejo, mas sabemos que já no ano 100 d.C. o Evangelho tinha chegado na península Ibérica. Segundo a tradição, Tiago Zebedeu, irmão de João, após o Pentecostes do ano 33 d.C. teria cruzado o Mediterrâneo e chegado à província da Hispânia. No entanto, existe mais lenda que fatos históricos em relação a esse discípulo de Cristo, que foi morto por ordem de Herodes (cf. Atos 12:1,2).
Na verdade a história do cristianismo na Espanha possui poucas informações, mas pelo desenvolvimento do cristianismo entre os anos 100 a 313 d.C. a fé cristã tornou-se uma forte influência civilizadora no sul da Gália, na Espanha, na Itália e no norte da África (NICHOLS, 1960, p.29). Entre 313-590 d.C. o mundo ocidental viu a fé cristã sair das catacumbas e chegar ao palácio imperial, primeiro com Constantino (272-337 d.C.), que tornou o cristianismo uma religião permitida e depois com Teodósio I (347-395 d.C.), que tornou a fé cristã em religião estatal. Aliás, Teodósio nasceu na Espanha.
A partir do ano 409 d.C. a região começou a sofrer as invasões dos povos germânicos, o que produziu grande destruição, pois as instituições civis romanas desapareceram. Depois chegaram os suevos e visigodos, povos que haviam sido cristianizados a partir da heresia ariana. Esse período foi conturbado, pois a maioria da população cristã dessa região era formada pela tradição de Nicéia, que aceitava a Trindade, e os invasores começaram a perseguir os cristãos tradicionais. Nos séculos IV e V, num ocidente que se desintegrava, a Igreja foi a única instituição que permaneceu de pé e protegeu os pobres, pois contava com hospitais, refúgios para estrangeiros, orfanatos e auxílio às viúvas. No entanto, esse período também marca uma grande leva de cristãos nominais, que nada conheciam do cristianismo.
A partir do século V, enquanto Leão I (400-461 d.C.) sustentava e fortalecia o poder do bispo de Roma, a Espanha fortalecia-se seguindo o catolicismo de Roma. Tudo começou com a conversão do rei visigodo Recaredo I (586 d.C.), que passou a proteger a Igreja e assim iniciou-se a forte união entre Igreja e Estado na Espanha. Isso ficou evidente nos Concílio de Toledo – celebrado entre 397 a 702 – que tratavam de assuntos religiosos como políticos.
No século VIII os árabes conquistaram sem dificuldade o norte da África e boa parte da península Ibérica (711-718 d.C.), mantendo os reinos cristãos mais ao norte da região. Aos cristãos e os judeus foi permitido cultuar à sua maneira, desde que pagassem tributos. No século XI os reinos árabes se fragmentaram em reinos rivais e isso favoreceu os reinos cristãos que começaram um processo de expansão. As idas e vindas de guerras de reconquista durou sete séculos até a queda de Granada em 1492. Em Portugal a reconquista terminou mais cedo, em 1249.
Na transição da Idade Média para a Idade Moderna surgiram os reis católicos, Isabel e Fernando, unindo as duas coroas, a de Castela e de Aragão. Eles foram importantes na formação do reino espanhol, bem como o estabelecimento do catolicismo romano. Eles foram responsáveis pela expulsão dos judeus da Espanha em 1492 e em 1502, um novo édito dizia que somente cristãos eram permitidos no território da monarquia. Muitos judeus e mouros foram batizados, mas isso resultou numa rebelião que terminou com a expulsão dos mouros em 1609.
A Reforma Protestante iniciada por Lutero em 1517 chegou à Espanha em 1519 com os primeiros escritos traduzidos, especialmente o comentário aos Gálatas. Entretanto, o rei Carlos V (1500-1558) foi importante para a supressão do protestantismo na Espanha, pois foi ele quem forçou o Concílio de Trento (1545-1563), que deu início a Contrarreforma. A inquisição, que chamava os protestantes de luteranos, embora a maioria fosse de linha calvinista, começou uma grande perseguição contra as comunidades protestantes, surgindo assim os primeiros mártires protestantes. O primeiro “ato de fé” contra os protestantes foi celebrado em Valladolid em 21 de maio de 1559, quando catorze pessoas foram mortas e outras dezesseis foram castigadas publicamente.
Diante da perseguição muitos protestantes espanhóis fugiram para a Suíça, Alemanha e Inglaterra. Em 1543, Francisco de Enzinas publicou sua versão do Novo Testamento, baseado no texto grego de Erasmo de Roterdã, a quem dedicou ao imperador Carlos V. Em 1556, João Pérez, natural de Sevilha, publicou sua versão do Novo Testamento e dos Salmos. Mas certamente o trabalho mais importante foi de Casiodoro de Reina (1520-1594), que fugindo da Inquisição e depois de muitos contratempos, conseguiu publicar a Bíblia em 1569. Em 1602, Cipriano de Valera (1532-1602) publicou a revisão de Casiodoro e chegou a ser a versão mais usada pelos protestantes de língua espanhola até hoje.
No final do século XVIII e início do século XIX se deu uma forte expansão das missões protestantes, embora fossem clandestinas. Em 1868 os protestantes receberam a liberdade de culto chegando a ter trinta mil membros. Mas na guerra civil espanhola, os franquistas perseguiram os protestantes, obrigando muitos pastores a abandonar o país. Acabada a guerra, o ditador Francisco Franco (1892-1975) mandou confiscar todas as Bíblias não católicas e fechar todas as escolas protestantes. Foi suprimida a liberdade de consciência e o franquismo decidiu expurgar a memória protestante na Espanha. Somente depois da Constituição de 1978 que os protestantes tiveram restaurada a liberdade religiosa pela lei espanhola.
Quando você orar essa semana, coloque diante de Deus a Espanha. Ore para que Deus amplie Sua obra naquele país. Embora mais de 76% da população se diga cristã (católica), mais de 20% se diz sem religião ou ateu. Ore para que os projetos missionários alcancem esse povo que hoje é escravo do consumismo, do secularismo e da frieza espiritual.

Uma boa semana! Fraternalmente em Cristo, Pr. Gilson Jr.